Correr descalço não garante vida esportiva mais longa

Colocando o tênis de corrida - CDC/ Amanda Mills

Há algumas semanas uma reportagem num dos maiores veículos de comunicação mexeu com o mundo da corrida ascendendo uma discussão, a meu ver sem necessidade de tanto alarde. Diz a reportagem “Um estudo da Universidade de Harvard, divulgado semana passada pela revista “Nature”, sugere que correr descalço pode ser bom para os pés por causa da forma como eles atingem o solo, bem diferente do modo como isso acontece quando a pessoa está calçada”. O estudo descobriu o óbvio. Quem corre descalço, na aterrizagem toca o chão com a parte central ou frente do pé e não com o calcanhar como faz a maioria dos corredores calçados. Não precisamos ser inteligentes para saber que correr descalço e tocar o chão com o calcanhar dói e muito.

O gesto esportivo da corrida envolve três fases distintas: apoio da perna que está no chão lançando o corpo para cima e para frente, o vôo propriamente dito e a aterrissagem. Ao tocar o solo, o movimento normal do pé é fazer um discreto movimento lateral para fora (supinação) e em seguida outro movimento para dentro (pronação) para estabilizar o impacto e distribuir forças preparando-se para a fase seguinte de impulso para o vôo.

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Não resta a menor dúvida também que a maioria de quem corre calcado ao longo dos anos adquiriu o hábito de pisar primeiro com o calcanhar fazendo um rolamento por muitos chamado de mata-borrão. Técnica por muito tempo sugerida nas revistas antigas e até por treinadores de corrida. Não significa necessariamente que isso seja errado e muito menos que o fato por si só seja responsável por bom número de lesões como até sugere o estudo. Isso tudo acaba levando a uma outra antiga discussão. O que é melhor? Passada curta e rápida ou longa e lenta? Quem usa a primeira acaba pisando exatamente no centro de gravidade. Ou seja, bem embaixo do corpo dando continuidade à passada com mais facilidade e consequentemente pisando com o meio do pé como faz quem corre descalço. Aumentar a passada leva o indivíduo a pisar além do centro de gravidade e com o calcanhar. Esse espaço, aparentemente pequeno, é perdido mas ao longo de 10, 15 ou mais quilômetros pode ser uma das causas do cansaço prematuro e também de lesões e/ou dores musculares desnecessárias.

O pé com seus 26 ossos, dois sesamóideos, 107 ligamentos, 38 articulações e 33 músculos tem uma estrutura bastante complexa para sustentar todo peso corporal suportando, amortecendo e transferindo o impacto durante os movimentos resultantes do gesto esportivo não só da corrida como de diversos esportes. Por isso a formação dessa estrutura é importante na infância. Aí sim, concordo plenamente com a importância da criança assim que começa a andar ser incentivada a andar descalça para fortalecer e formar todos os arcos do pé. O maior mal que alguns pais podem fazer é colocar as crianças naqueles famigerados andadores. O andador, além de não fazer a criança andar antes do tempo ainda impede e/ou atrasa o desenvolvimento psicomotor. Os pais superprotetores não deixam a criança andar descalça com a justificativa de que vão se resfriar. Atitude totalmente infundada. Melhor ainda para esse desenvolvimento é andar descalça em terreno irregular e macio como a areia da praia.

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Voltando para a nossa corrida os quenianos que atualmente são os melhores fundistas do mundo não correm descalços, mas a maioria pisa realmente com o meio do pé e no centro de gravidade. No caso vem da infância pobre e do hábito de andar e/ou correr descalço adquirindo desde cedo um gesto esportivo adequado. Andar, correr, saltar e arremessar são movimentos naturais do ser humano. Ninguém ensina.

Obviamente que existem muitos desvios estruturais como o pé plano, cavo, pronado, supinado, além das pessoas com excesso de peso que começam a correr para recuperar a saúde e graças aos estudos biomecânicos a indústria de calçados fabrica calcados esportivos caso a caso propiciando vida esportiva muito mais longa para todos os atletas. Eu duvido que se corrêssemos descalços teríamos a quantidade de maratonistas que temos no mundo inteiro e a cada ano aumenta mais. E o que dizer dos mais velhos que, calçados estão correndo mais e melhor? Portanto, não se trata de correr descalço ou calçado ser melhor ou pior e sim ser melhor orientado quanto ao gesto esportivo. Alguns corredores ficaram famosos correndo descalços como o lendário etíope Abebe Bikila e a brasileira Jorilda Sabino por razões diferentes. Abebe para chamar a atenção do mundo sobre a pobreza de seu país, mas povoado por cidadãos perseverantes e Jorilda por razões financeiras. Tiveram que se render ao conforto e eficiência dos tênis para terem vida esportiva mais longa. Precisamos ter muito cuidado com pesquisa sensacionalista.

O hominídeo não usava sapato sendo frequentemente citado como exímio corredor na arte da caçada cansando e perseguindo animais. Dele talvez tenhamos herdado a capacidade de correr longas distâncias, mas não se sabe quantos morriam de fome com feridas nos pés sem poder correr atrás da caça.

Cartas para: lcmoraes@compuland.com.br
Luiz Carlos de Moraes CREF1 RJ 003529

Para Refletir: Converse sempre com as pessoas olhando olho no olho. Uma piscada de olho pode significar muita coisa entre o céu e o inferno. Moraes 2010.
Sobre a Ética: Profissionais que se vangloriam demais costumam ser como tambores. Fazem muito barulho sem ter nada por dentro. Moraes 2010.

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